terça-feira, 15 de outubro de 2013

Marido Bravo

           Quando Osmar chegou a Estação de Ferraz de Vasconcelos estava um verdadeiro caos. Era sábado e ele entendeu o porquê de imediato, pois no dia anterior recebeu a notícia da CPTM que iriam mexer em alguma coisa nas Estações de Poá e Calmon Viana. Não era novidade esse detalhe, porque os trens nunca funcionavam normalmente nos dias de semana. Quem diria aos fins de semana. Esse tipo de transtorno levava os usuários ao limite do estresse, pois muitos discutiam uns com os outros ou brigavam por motivos bobos; ficavam inquietos, ansiosos e com pressa, e por esse motiva havia um grande empurra-empurra. Às vezes saiam socos e pontapés para tudo quanto era lado.
  Ele procurava seus amigos da igreja Assembleia de Deus da Via Margarida, pois haviam marcado um encontro ali, para se reunirem e irem para um retiro espiritual, numa chácara no interior de São Paulo, pois o líder dos jovens disse ser muito bacana, e todos concordaram. Quando os encontrou os viu sentados no chão de madeira comendo churrasco, porque era uma Estação provisória já que a CPTM, o governo ou fosse quem fosse, estava construindo outra nova há meses. Percebeu de imediato: não haviam tomado café e estavam morrendo de fome, pois o dia ainda não tinha amanhecido. Os vendedores de espetinhos estavam lucrando. Não entendeu a razão de ter churrasco logo de manhã, mas talvez fosse alguma festa. Um conhecido seu, Renato, estava tomando vinho, daqueles vinhos do sul; e Osmar não se deu ao luxo de perguntar onde Renato havia conseguido a bebida, só disse.
– Logo de manhã?
Todo mundo estava animado e a algazarra era grande. Havia chovido, e mesmo o chão estando úmido não os impediu de se assentarem no nele para festejar o encontro. Os trens estavam demorando passar. De repente Plínio viu uma moça passar com um vestido florido minúsculo e comentou com o pessoal.
– Logo de manhã e a periguete acha que está bonita com aquele vestido minúsculo e os culotes aparecendo.
Fizeram alguns comentários pejorativos por causa disso. Outros preferiram fazer graça, cada qual com o seu julgamento pessoal. E no meio do bulício, Osmar ouviu alguém dizer num to alto.
– Sua gorda.
Não demorou muito tempo um rapaz baixinho, que se apresentou como Antônio, ele parecia ser nordestino por causa do sotaque, perguntou todo metido a valente, gesticulando e apontando o queixo, como se quisesse que alguém lhe desse um sopapo.
– Quem mexeu com a minha mulher?
Fábio, um dos jovens tentou conversar com Antônio, dizendo que não foram eles os zombadores. Ele inferiorizou o rapagão de dezessete. Então, João, o líder dos jovens, foi conversar com o rapaz enfurecido, pois o havia escutado dizer que Fábio era um moleque.
– Está vendo a minha mulher? – Antônio disse para João. – O que tem se ela é gorda ou não? Vocês que são da igreja deveriam se envergonhar por ficar mexendo com a mulher dos outros.
Osmar não entendeu direito; porque a mulher que o garoto havia dito que o vestido estava curto demais era outra e a mulher de Antônio era uma negra bonita de calicalom e que não demonstraria estar à cima do peso se não fosse jaqueta. Ele achou estranho que o homem tivesse vindo reclamar.
– Mas ninguém mexeu com a sua mulher. Osmar disse ainda sentado.
– Você tem quantos anos? Antônio perguntou, porque viu que todos naquela roda de jovens ainda não era homem formado.
Osmar estava separado algum tempo, não estava bem emocionalmente e por isso quis ir ao retiro espiritual com os jovens. Julgava ser propício estar com pessoas com bom astral, devido a situação em que se encontrava. Então, levantou-se oferecendo a mão para Antônio. Não estava nervoso e tinha uma paciência de Jó, coisa que a separação fizera com ele.
– O meu amigo tudo bom? Ninguém mexeu com a sua mulher.
– Quantos anos você tem? Antônio quis saber sem ao menos deixá-lo concluir e disse em seguida. – Eu tenho 35 e não sou moleque.
– Eu tenho 33.
Antônio era mais baixo que Osmar. Quando olhou em seus olhos sérios, mas complacentes, demonstrou mais respeito, pediu desculpas e já ia se retirando. Os jovens estavam satisfeitos com o desfecho inesperado. “O sujeito de 33 anos que nem anda com a gente é o cara”, pensaram por causa dos olhares respeitosos que davam. Quando Renato chegou com o vinho barato e um pedaço de carne assada na mão, perguntou o que havia acontecido. Os jovens foram falando aos atropelos, porque o Antônio já estava saindo da Estação, por um lugar que os construtores não previram que alguém passaria.
– O que tá pegando? Perguntou.
Antônio reconheceu a voz de imediato. Voltou todo marrento, empurrando o peito de Renato e dizendo “foi você, né seu vacilão?”, enquanto Renato pedia calma e para que ele não encostasse a mão nele. Do lado de fora, a mulher de Antônio implorava para que o marido deixasse aquele assunto para lá.
– Esse vacilão mexe com a mulher dos outros e acha que está certo? Tentou explicar a sua ação violenta.
Renato não fazia parte do grupo. Estava ali, porque iria para a casa de um amigo, onde haveria mais churrasco e mais bebida. Não que ele fosse flor que cheirasse, mas com um pouco de vinho na mente, com um revolver calibre 32 na cintura e um sujeito empurrando seu peito e o fazendo ser menor do que uma formiga. Ah, isso ele não poderia tolerar de jeito nenhum. Sacou o revolver e deu uns três tecos no peito de Antônio, que morreu no local.

10/11/2013 6h51

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