Lembrar do dia, da comemoração não faz sentido nenhum nesta madrugada cálida deste verão com este copo que seguro. Ainda mais porque a concentração fica pouca quando se mistura o cansaço, calor e pernilongos azucrinando no ouvido enquanto o álcool alucina mais a mente. O que sei é que havia uma comemoração. Rolava um monte de estilo de música desde rock a forró. Um amigo - o pai dele tinha um bar - resolveu fazer uma caipirinha com carambola. Da turma, pelo que sei, ninguém havia tomado a bendita. O que sei é que todos gostaram. E ao som do forró os cearenses e paulistanos dançavam. Eu nunca fui um bom dançarino. Ainda mais de forró. Talvez eu faça parte da grande massa masculina que fica olhando a pouca massa pegando as mulheres nos salões só pelo fato de saber dançar bem. E o que isso importa no momento? Nada! Porque a festinha era familiar: dois irmãos de criação do meu amor; suas respectivas mulheres; o amigo que fazia a caipirinha; a namorada dele e mais algumas pessoas que a essa altura do campeonato não me lembro.
E vai uma caipirinha pra cá, outra pra lá, outra praculá... Quando se deu conta, minha ex-mulher estava bêbada. Percebeu que não podia parar de dançar, porque se parasse iria vomitar ali mesmo. Eu achei tudo muito engraçado (e ela não dançava comigo, dançada com o meu amigo que fez a caipirinha).
- Eu não posso parar de dançar, porque senão vomito. Disse, quando o moço resolveu descansar um pouco.
O irmão mais velho dela ria, porque a embriaguez era visível. Sua irmã, que ainda não foi citada, também ria assim como todos os outros.
- Eu tô falano sério, gente! Sua voz era arrastada e, por ser arrastada se tornava mais engraçada. Ria por tudo. Parecia uma maconheira de primeira viagem. - Se eu parar vou vomitar. Venha dançar comigo. Chamava qualquer um.
Eu? Ora, eu... Eu estava feliz por vê-la feliz daquela maneira. A brisa ainda não tinha me pegado de jeito e eu não iria deixá-la me pegar sabendo que a minha mulher precisava de ajuda para voltar para a nossa casa. O nosso filho estava com a avo, minha sogra e ela não precisavam de mais trabalho com dois adultos bêbados num fim de semana qualquer.Quando saímos da festa, ela vinha falando alto, eu a segurando pelo braço, enquanto a deixava apoiar em meu ombro para não cair e se esborrachar no chão. Era tudo muito hilário para mim.
- Você precisa tomar um banho para ver se melhora. Eu disse.
- Eu vou vomitar. Esta frase estava em sua mente, talvez fosse a ânsia que estava sentindo que lhe fazia pensar só nisso.
Eu ria, porque realmente achava aquilo engraçado. É diferente de quando a pessoa é alcoólatra e você tem que conviver com a embriaguez dela todos os dias. Uma pessoa que bebe para se divertir, geralmente, não procura motivos para brigar. Briga quem é magoado, nervoso ou procura se esconder de algum problema. Ela não, ela estava se divertindo.
- Vou lhe dar um banho quando a gente chegar em casa.
- Promete que cuida de mim? A voz embargada e doce, típica de mulher sedutora pidona. Talvez não seja tão difícil imaginar uma ébria sedutora pidona.
Quando chegamos em casa, ela foi para o quarto e tirou a roupa. Eu a ajudei, pois seus sentidos estavam bem debilitados. Depois entrei com ela no toalete. Estava calor, eu tinha suado e também estava precisando de um banho. Não poderia deixar minha mulher sozinha naquelas condições: água, chão liso e pessoa ébria é um convite para um acidente.
Eu via aqueles seios lindos em minha frente, a cintura de pilão mesmo após ter tido um filho, o cabelo liso vermelho... Sem malícia. Via com ternura, enquanto ela apontava o dedo no meu nariz, sem encostá-lo nele e dizia:
- Posso te falar uma coisa, Cá? Posso?
- Pode. Disse com a maior naturalidade que encontrei, enquanto ela me olhava molemente, porém com olhar brando, doce, ledo e terno.
- Não é porque eu tô bêbada e que você tá cuidando de mim... - Era estranho ela começar a falar de sentimentos (porque eu previa) naquele momento, sendo que tivemos tantas oportunidades em outros dias. Mas eu estava ali para cuidar dela, para ouvi-la e não iria atrapalhar. Afinal, era de minha ajuda que ela precisava.- Não é porque eu tô bêbada - continuou - mas eu te amo, sabia? - Ela escorregou, eu a segurei e ela se apoiou na parede. - Não é porque tô bêbada... - sentia a necessidade de repetir a mesma coisa.- Eu sei; eu sei...
Quantos anos fazem isso? Não sei. Perdi as contas. O que sei é que não me lembro de ter ouvido-a dizer tais palavras novamente. E quando estou com saudade e entro no toalete para me banhar não tem como não recordar: os cabelos vermelhos que ficavam no ralo e por todo o canto da casa (agora não existem mais); os momentos bons que tivemos embaixo deste teto... Procuro um canto que não tenha estado com ela, mas a casa não é tão grande assim pelo tempo que estivemos juntos.
Saudade... Já tentei defini-la como poeta, cronista e contador de história, mas não cheguei a nenhuma conclusão. Só sei que o buraco que tem em meu coração é maior do que eu mesmo consigo imaginar.
- Não é porque tô bêbado que estou contando esta história, que eu tô dizendo que...
Uauuu...Adorei essa declaração de amor em forma de história...lindooo
ResponderExcluirAdorei. Teve um leve toque de crônica mas em seguida caiu como conto bem contado. Gostei muito.
ResponderExcluirA inspiração transcendo pelos dedos !!
ResponderExcluirParabéns nobre rapaz .