terça-feira, 28 de agosto de 2012

Silêncio das Almas


        Sabe, para mim foi muito difícil ver Caio sofrendo daquele jeito. Amigo não é coisa e nem algo que se pode encontrar de uma hora para outra. É mais fácil encontrar uma pepita no rio do que um amigo em seu próprio bairro.

O Caio é desse tipo de pessoa silenciosa que não revela seus verdadeiros pensamentos. Diria que ele é um sabonete porque sempre escorrega entre os dedos. Naquele dia eu havia ido com ele a um lugar que prefiro não dizer. Íamos conversando no silêncio de nossos pensamentos. Sabe aquele tipo de conversa infinita, aonde não se chega a nenhum lugar e nenhuma conclusão? Este foi o resultado:

Eu o via olhando desconsolado para as concessionárias de automóveis, reparei bem que ele preferia motocicletas. Talvez fosse a vontade de sumir do mapa de vez, ou quem sabe o sonho que muitos jovens têm de sentir a adrenalina do vento batendo no rosto a alta velocidade, com seu amor segurando em sua cintura, encostando os seios firmes pela idade às costas, ouvindo aquele sonzinho de voz soprano desesperado, enquanto curte o momento. Certamente que ele me contou o que olhara e o que imaginara: via-se só numa motocicleta potente em alta-velocidade numa estrada reta, deserto de um lado e deserto do outro, a solidão consumindo seu coração.

Foi quando observei que ele abaixou a cabeça, os cotovelos perto dos joelhos, cada mão tampando um lado do rosto num gesto de proteção, porque ele odeia pedir ajuda para as pessoas e muito menos ficar contando o que sente. Aquilo, para mim, já revelava muito. Eu pude sentir sua dor. Caio estava sôfrego. Quantas coisas ele havia perdido em pouco tempo? Talvez a única coisa de valor financeiro que perdera fora o emprego, mas as coisas de valor sentimental foram muitas.

Engraçado. Na véspera, Caio sorrira como criança, beijara uma moça que o ama, fora acariciado por ela... Em momentos difíceis sempre é bom ter alguém para nos apoiar e aquela moça fizera isso por ele. Mas, vendo-o como via podia sentir o que ele sentia, então, naquele silêncio absoluto dizíamos:

- Eu não queria estar com ela. Caio me disse.

- E por que ficou? Perguntei.

- Naquele momento a minha carência falou tão forte e meu corpo se mexeu sozinho, enquanto meus pensamentos estavam na Menina (é como ele chama seu verdadeiro amor). Eu fechei os olhos e sonhei com ela. Quando acordei vi que era outra pessoa que estava comigo. Doeu, doeu, doeu e ainda está doendo.

- Mas como você consegue fazer isso?

- Isso o quê? Ele quis saber, porque não entendeu a pergunta.

- Ficar com uma pessoa pensando em outra.

- Não fiquei com uma pessoa qualquer. Fiquei com a Menina.

Aí eu já não conseguia mais entender nada naquele momento. Contudo, depois de dias pensando no ocorrido tenho lá minhas conclusões. Acredito que a resposta dele para esta pergunta seria: era só um corpo que estava à minha frente, mas o que estava em meu coração era meu amor, então, nem senti o corpo que estava diante de mim.

Quando chegou à sua casa, ele preparou comida para nós: arroz, feijão, bife, ovos com cebola e Coca-Cola. Caio tinha, depois que a Menina, uma grande pessoa, amiga minha também, seu amor, fora embora, um lugar na casa para comer. Era o quarto. Sentava-se na cama de solteiro, onde muitas vezes eles dois fizeram amor na volúpia inflamada da paixão, virado de frente para a parede de cor salmom, colocava o copo no chão, com uma mão segurava o talher e com a outra o prato com comida. Os olhos embasaram instantaneamente, os lábios ficaram trêmulos e as lágrimas caíram fartamente na comida, por causa do desespero que invadia sua alma contrita. Caio pranteava por seu amor, vivenciando momentos felizes que passara junto com ela. Ali seu amor não veria seu pranto e não ficaria preocupada, coisa que ele não queria de jeito nenhum.

Notei que essas cenas tristes se repetiam em certas datas de cada mês. Sempre aqueles dois dias seriam os mais pungentes para ele: dia seis e dia sete de cada mês. Dia seis fora o dia do rompimento com Menina; dia sete fora o dia que eles começaram a construir o que fora derrubado; em um dos dois dias, Caio perdera uma porção de coisas e as lembranças vinham à mente como as ondas contínuas no mar.  

Ver aquela cena de um almoço plangente e solitário me comoveu demais. Aquilo doeu em meu coração como se fosse eu o lázaro. Então, fiquei com ele, chorando no silêncio secreto da solidão de ambos, tentando imaginar como seria o jantar.


09/05/2011

Deus da Fantasia


“Vou levando na medida do possível...”
É o discurso mais plausível, contundente...
Todo mundo diz saber e diz que sente
Este pranto tão silente e desprezível.

Eu pensei em ter um bem indivisível,
Mas foi tudo uma ilusão de minha mente,
Pois sofri a dor das dores, simplesmente,
Por não ter o teu perdão ser insensível.

Quando vejo alguém caído e moribundo,
Não querendo mais o pranto rubicundo
Me derreto por vontade e me comovo.

É que odeio o lacrimar soturno e grave!
Então, pego-me voando numa nave
Que me leve para o lar de um mundo novo.

21/10/2010 16h20

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Cativa

Quando busco a paixão adormecida
no prefácio do quente casamento,
sinto o fogo do puro sentimento,
como a paz e a esperança nesta vida.

Hoje sofro demais, e, contraída,
aprisiono o desejo do momento,
quando busco a paixão adormecida,
no prefácio do quente casamento.

Embalsamo a memória já vivida
no cenário que deu contentamento.
É a minh' alma ansiosa e reprimida
que deseja voar em todo o tempo,
quando busco a paixão adormecida.

21/08/2012 3h39

domingo, 19 de agosto de 2012

Amarga


Eu vejo em teus olhos pungência
e o anelo que trazes na alma;
por isso que perdes a calma,
que sofres por pura demência...

Tu queres paixão que traz palma,
que inflama com eficiência:
Eu vejo em teus olhos pungência
e o anelo que trazes na alma.

Tu cantas nos versos plangência,
pecado, libido e o seu trauma,
perdendo o fanal, paciência
por não alcançar tua palma;
eu vejo em teus olhos pungência...

18/08/2012 4h02

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Aquela Noite Em Mim Revive Ainda


Francisca Patrícia Pereira

Não foi quimera aquela noite finda;
não foi miragem da paixão insana,
nem travessura em colossal savana
de flores claras na paisagem linda.

Aquela noite em mim revive ainda
na natureza da real choupana
que a bruma densa me refina a gana
de tê-la sempre, ó minha joia infinda!

Eu sei que há muito sem fanal, letarga...
Chorastes tanto a mais plangente dor,
por venerar alma cruel e amarga.

Agora mudo este feroz labor!
Pois sei que eu amo carregar a carga
deste meu elo que se chama: Amor.

06/08/2009 12h25

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Dito Por Não Dito

É melhor não falar desta tristeza,
que encarcera a alegria em poço escuro.
Talvez do broto ledo, em gentileza,
nasça a mais bela flor no meu futuro.

É que eu passei por tanta dor e apuro
e não vejo um só gesto de nobreza:
É melhor não falar desta tristeza,
que encarcera a alegria em poço escuro.

O meu broto não sabe que é um monturo
o peito deste bardo; que a vileza
colocou prato sujo em minha mesa:
comentar este mal não me aventuro!
É melhor não falar desta tristeza...

23/07/2011

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Duas Mil e Sessenta e Uma Noites



Para Francisca Patrícia Pereira


          Então, com o sono, ela se virou para o outro lado, afim de não dar atenção para mim já que eu tentava persuadi-la a cair nos laços inefáveis do amor. Os cabelos castanhos curtos caíram para frente, tampando metade do rosto, mas deixando o pescoço liso e fino à mostra. Talvez fosse o preço a pagar. A luz era frouxa e há muito meus olhos haviam se acostumado com a pouca luminosidade. De modo que consegui enxergar perfeitamente aquele pescoço moreno e sentir a sutileza feminina ao dizer não, que aguçava mais todos os meus sentidos masculinos.
          Ajeitei-me na cama cuidadosamente, aproximando-me vagarosamente para fazer o menor ruído possível e o vento que era expelido de minhas narinas batia suavemente no pescoço e na orelha dela, fazendo-a sentir sensações agradáveis. Eu juro que senti quando os pêlos dos braços se levantaram mesmo com a pouca luminosidade. Talvez você, caro leitor, possa se indagar "como?" Só sei que senti, e a confirmação eu tive quando meus lábios carnudos tocaram suavemente aquele pescoço fino. A ponta da minha língua tocou brandamente nele, ela levantou os ombros em protesto, tentando se proteger de meus carinhos, mas a minha mão já acariciava o ombro nu, massageando amenamente e ele retornou ao seu estado normal, levantando somente de vez em quando como que se estivesse levando pequenos choques e como que se os movimentos viessem involuntariamente, coisa que acelerava mais meu desejo já que todas as recusas, em minha mente, queriam dizer “sim meu amor, assim... assim...”.
          Eu me via realizado ao vê-la naquele estado e me sentia o homem mais feliz do mundo como se os meus pés não pisassem o solo da Terra; porque sabia que estava sendo amado, desejado e dileto. É muito bom se sentir assim, ruim é quando se perde tudo como a brisa que passa rapidamente. Os pensamentos mais negros tornavam-se brancos como a neve, e, eu podia sentir o meu amor sair dos meus poros com todo o carinho que minhas mãos, minha boca e minha língua faziam, pois não era mero prazer de duas pessoas e sim o amor delas sendo construído a cada dia. Tenho certeza que a certeza dela me confia em dizer que tudo que vivemos foi caridade.
          Ela se mexeu para o lado direito, justamente o lado que eu a acariciava, porque eu dormia do lado direito da cama todas as noites como era de praxe. De modo que a boca dela se aproximou mais da minha e ela pôde sentir o meu hálito.
           Eu sabia que ela gostava...
         Naquele átimo os pensamentos da minha amada voaram. Aquilo era tudo que ela sonhara em quase quatro anos de convivência antes do laço matrimonial, mas dizer isso parecia ser demais para o orgulho feminino. Ela já não sabia mais o que era cansaço; já não tinha mais preocupações com trabalho, com a casa, com o nosso filho e tudo era um mundo novo, onde a fantasia não fazia mais parte da realidade. Naquele instante percebeu o quanto estava com saudade de mim e isso não se explica assim do nada, porque as quatro paredes não revelaram isto até hoje. Quem sou eu para revelá-lo?
          Eu não tive culpa por ela estar com uma camisola preta e folgada de manga tão curta que dava para ver os ombros nus, a metade das costas aparecendo e que me deixava em estado de frenesi... Não. Eu não tive culpa. Juro que não tive!
         Senti o seio dela intumescendo por causa da respiração que acelerava devido as leves chuchadas que eu dava ora no pescoço ora na orelha, juntamente com beijos ternos e precisos, porque eu sabia exatamente onde tocar e como tocar.
          De repente, ela se virou para o meu lado de vez e as minhas unhas por fazer passaram nas costas lisas, onde sentia mais excitação, enquanto me beijava com avidez revelando o desejo e o amor que tinha por mim. A renda? Não havia. Senti quando a pélvica dela encaixou em mim e quando nossos corpos se uniram na cerimônia mais bonita do planeta, dando espaço para o espírito, corpo e alma se revelarem mutuamente como se nós seis fôssemos um só. Ali permanecemos nos beijando, acariciando-nos por tempos até que o júbilo final fosse eclodido com alegria e satisfação.
          Então, ficamos conversando por mais alguns minutos até que o sono bateu e ela dormiu com a cabeça encostada em meus ombros escutando de fundo o som rouco de meu ronco já que tinha uma pequena deficiência auditiva. Até isso parecia ser perfeito, pois meu ronco incomoda pessoas com perfeita saúde.
         Esta cena se repetiu cinco anos, nove meses e vinte e quatro dias, por isso não me lembro de todas, porque todas às vezes fui trasladado por Afrodite para o mundo dos sonhos-reais. Somente agora vejo o quanto tudo aquilo foi importante para mim, o espaço desta alcova e o tamanho da minha solidão.


04/01/2011 3h20

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Amiga

E eu estava lá
quando o tufão batia forte;
quando o deserto aflorava o sol castigante;
quando o inverno trazia ventos gélidos;
a tempestade chacoalhava seu barquinho
e tudo em sua vida era cataclismo.

Meu ombro,
mesmo que deslocado,
apoiava a sua cabeça,
enquanto lágrimas corriam de seus olhos.

Meus ouvidos
capitavam palavras lamuriosas
de ansiedade, medo, dor, tristeza,
desesperança no porvir
e a minha boca dizia:

A primavera vai voltar...
Olhe para mim:
Eu sou um dos que lhe apoia,
que divide o tempo contigo
na esperança de o novo brilhar novamente.

E na acridez da depressão
você não percebeu,
mas agora que a flor amarela
perfuma seu coração;
e a luz da candeia alumia o seu rosto
sorria
sorria
sorria
e sorria.

Porque você nunca esteve
sozinha no barco.

31/07/2012 9h03